quinta-feira, 22 de outubro de 2009

El Don Juan

Aconteceu-me uma coisa terrível. Ou melhor: aconteceram três. Em três dias distintos. Não, não! Deixem-me corrigir: Está a acontecer-me uma coisa terrível.
Antes de explicar o que se passou (e está a passar), devo salientar o importante facto de que sou uma pessoa extremamente reservada, tímida e anti-social. Por estes e por outros motivos é-me completamente alheia qualquer e toda responsabilidade referente ao que vou proferir já de seguida. Sendo que nenhuma destas situações foram, de forma alguma, provocadas (!) pela minha pessoa.
Foi na terça-feira da primeira semana de aulas deste ano lectivo, durante a aula de geografia, que me foi imposta a coexistência com aquela criatura. Doravante referido como criatura, o ser humano de que falo tem, na verdade, um nome, do qual não faço ideia nem tenciono fazer. Muito provavelmente é dono de um tal nome capaz de fazer jus à sua óbvia etnia africana. Mas adiante, que este blogue já começa parecer roçar na intolerância racial, um patamar muito mais à frente do qual, alguma vez, pretendi chegar. E por isso mesmo, vou pedir imensas desculpas, e introduzir um curtíssimo disclaimer. Disclaimer: Não sou racista. Além de conhecer e simpatizar com várias pessoas de etnia africana e muçulmana, namoro com um rapaz de ascendência indiana e amo-o profundamente.
Continuemos então, já que que ficou tudo mais esclarecido do que seria de esperar. Foi então nesta aula de geografia, à qual a criatura chegou com meia hora de atraso, que os nossos olhares se cruzaram a primeira vez. Percorrendo sinuosamente a sala com um olhar que vislumbrava uma mão cheia de carteiras vazias, a criatura acabou por se decidir sentar a meu lado. Movia-se lentamente qual cágado trôpego, acabando por demorar quinze minutos a cumprir uma tarefa de um. Acabou por receber uma reprimenda oral da professora, que, já sem paciência, o mandou despachar-se a sentar-se e arrumar as sebentas na carteira. Sim, a criatura encontrava-se ainda à volta desta fatigante tarefa. Passados uns vinte minutos olhou-me e esboçou um sorriso.
-É uma seca, não é? - perguntou-me enquanto me fixava, esperando uma reacção. Isto só a mim... Ali estava eu, lado a lado com uma criatura que me enervava solenemente só com a rapidez (ou melhor: falta dela!) do seu movimento corporal. Não obstinada com isso, a criatura decide ainda falar comigo. Porreiro.
Acabei por esboçar um sorriso capaz de abrandar o trânsito, em resposta. E assim ficou.
Para mal dos meus pecados, após esta tentativa de diálogo de conveniência da sua parte, a criatura acabou por se sentir no direito de me sorrir e cumprimentar com um aceno (o mais lento do mundo), quando passava por mim na escola. Que pânico. Foi então que, numa das passadas Quartas-feiras, no intervalo, a criatura se encheu de coragem.
Eu, como em todos os intervalos, estava sentada à janela da escadaria principal, a comer um pão de leite misto.
- Olá... Tudo bem? - cumprimentou-me timidamente, com o olhar saltando entre a minha cara e o meu pão de leite, perguntando-se, talvez, se viria em boa altura. Claro que não. Nem naquela nem noutra qualquer. Mas ele não sabia.
- Tudo, e contigo? - perguntei eu, sem o mais pálido interesse em qualquer tipo de resposta que ele me pudesse oferecer.
- Sim... Então... que se faz?
Revirei os olhos quase num automatismo latente. Que merda de pergunta era aquela? Inspirei fundo.
- Nada. - suspirei.
Ficou calado a olhar-me com um sorriso de Mona Lisa. Não parecia esperar que eu dissesse mais nada. Alternava o olhar fixamente entre os meus olhos e as minhas feições do rosto, como se estivesse a tirar um retrato mental.
Ainda ia a meio do meu pão de leite misto, mas perdera a fome. Toda aquela situação extremamente embaraçosa e estranha estava-me a dar a volta ao estômago. Estava a atingir um patamar entre o desespero e a fúria. Ele deve ter acabado por notar algo na minha cara.
- Foste à última aula de geografia? - perguntou apressadamente, fazendo uma pausa para avaliar a minha expressão - Eu não fui... queria os apontamentos... se tivesses...?
- Lamento, - disse, levantando-me - também não fui à última aula. Devias perguntar a outra pessoa. Agora tenho mesmo que ir a História.
- Ok. Até amanhã. - disse a criatura, baixando o olhar.
Apressei-me a subir as escadas. Ao passar a ogiva da entrada, deitei o resto da minha merenda no lixo. Dirigi-me para a sala número sete, apesar de faltarem 10 minutos para que a porta se abrisse.

* *

Passaram-se semanas sem que a criatura excedesse os limites da simpatia, falando ou acenado (lentamente...), apenas para me cumprimentar. Claro que em parte, todo este mar de rosas se podia dever ao facto de eu ter deixado de frequentar a janela da escadaria. Passei a merendar no bar. Em mesas destinadas a esse mesmo propósito e rodeadas de gente. Um local que, muito provavelmente, não incentivaria nem encorajaria a criatura de me abordar. Muito pelo contrário. De qualquer forma todas estas suposições não passavam disso mesmo: meras suposições.

* *

Ontem decidi, pela primeira vez, levar merenda de casa. Parecendo que não, nestas merendas matinais do bar, ficava quase metade da minha semanada. E, assim sendo, optei por trazer merenda para a escola e poupar vinte cinco euros por semana.
No intervalo, confesso ter sentido algum embaraço relativamente à minha merenda caseira... e por isso dirigi-me para as escadarias. Mas, em vez de as descer em direcção à janela, optei por subi-las. Acabei por me sentar nas escadas a merendar.
- Olá... estás boa?
Eu reconhecia bem aquela voz grave, lenta e arrastada. Não podia acreditar. Rodei a cabeça, lentamente, para olhar a criatura. Acenou-me num movimento lento e trôpego, enquanto esboçava um sorriso e me fixava com aquele olhar demente.
-Sim, estou. E tu? - disse, sem pensar, entre mascadas, e sentido um ataque de desespero a aproximar-se.
-Também... Então... que se faz? - perguntou.
Isto não podia estar a acontecer. Que merda pá. Olhava-me fixamente, quase como se estivesse a saborear cada traço do meu rosto e do meu olhar. (agora veio-me à cabeça aquela música do Jorge Palma que tem um verso assim parecido... que giro. como se isto já não estivesse a correr suficientemente mal; precisava mesmo de ficar com uma música romântica na cabeça. sim. obrigada. boa noite.) Que porra queria aquela criatura? Que iria naquela cabeça?! Porque me olhava ele assim?!
- Não vês? - acabei por dizer, a perder a paciência.
Olhou-me desnorteado e relutante. Olhou a minha sande de queijo (ou o que restava dela) e o meu bongo de laranja por breves segundos, voltando a fixar-se nos meus olhos.
- Que seca... não se passa nada. - disse, visivelmente infeliz.
Baixou o olhar e brincou um pouco com o atacador desabotoado. Notei-lhe uma expressão pensativa e triste. Suspirei.
- Bem... o que vale é que isto é só de manhã. - acabei por dizer, sentido alguma pena da criatura e procurando reconforta-lo.
Arregalou-me os olhos e esboçou um sorriso. Ficara notavelmente contente com a minha súbita cooperação no diálogo de conveniência que criara. Voltou a fixar-me indelicadamente, o que me deixou desconfortável e arrependida.
- É... mas eu não tenho mais aulas hoje... - disse-me, expectante.
Pronto. Parou tudo ao quadrado. What the fuck?!
- Não tens..?! Então o que é que estás ainda aqui a fazer?!
- Ah... - olhou-me, indeciso e envergonhado, acabando por balbuciar - Estou a fazer um pouco de tempo, para não ir já para casa...
- Ainda há bocado disseste que isto era uma seca...
Nem sei para que me dei ao trabalho. Só estava a dar importância àquela conversa de merda. Engoli o que restava da minha sande e bebi o resto do meu bongo de laranja de um trago. Levantei-me de um salto.
- Tenho que ir para a sala. - afirmei, pegando nas minhas coisas e afastando-me, de forma rude.
- Ok... Então eu vou beber um sumo. - disse, seguindo a direcção do bar de forma lenta e trôpega.
Encontrava-me, pela segunda vez, à porta de uma sala fechada. Que só se abriria daí a uns dez ou quinze minutos.

* *

Hoje quando cheguei à escola sentei-me na sala de convívio, como todos os dias. Faltavam ainda quinze minutos para a aula começar. Mudei a música que estava a ser executada no meu ipod e quando voltei a olhar em frente ia sofrendo uma síncope.
Fixava-me insolentemente.
Aproximou-se lentamente. Mais parecia uma enorme lesma preta. Que ódio. Que cólera. Ah... se o olhar matasse!
- Bom dia... tudo bem? - perguntou sorrindo e fixando-me com mais insolência ainda.
Limitei-me a esboçar um sorriso. Um dos mais forçados que já esboçara na vida. Segurava o phone esquerdo perto do ouvido, com um ar impaciente e rude, de sobrancelhas erguidas, esperando sem interesse nem vontade que ele dissesse mais alguma coisa. Ele apercebeu-se disso. Olhou-me confuso, poisou a mala ao meu lado e dirigiu-se ao bar.
Aproveitei logo, coloquei o phone, aumentei o volume da música até todo o som que me rodeava se tornar inaudível. Peguei no ipod e comecei a jogar Klondike.
Vi, através minha visão periférica, que a criatura pegara na mochila e se sentara ao meu lado, fixando-me, esperando que o olhasse ou notasse que ele já ali estava. Fingi não notar nada, ao que ele se acabou por levantar e dirigir para o bar novamente. Entretanto sentou-se outro moço ao meu lado. Suspirei de alívio pelas duas razões. A primeira: já não se poderia sentar a meu lado. A segunda: ainda não ganhara, claramente, confiança suficiente para me tocar no ombro ou assim, em forma de chamada de atenção.

Estou, portanto, à beira de um belo poço de merda.

1 comentário:

  1. AI K LOLE DO CRL!!!! xD

    pariga!!!... o moce (aka lesma preta xD) tá-se a fazer ao bife? D: q cena estranha ele olhar te assim... :s tem cuidade pariga, olha k ainda tens d conviver c esse pessoal este ano e o proximo...




    ps: adoro a forma como escreves. :3

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