terça-feira, 13 de outubro de 2009

Carpe Diem!

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Estava escuro. Ele correu na minha direcção e num abrir e fechar de olhos desapareceu no negrume. Eu estava confusa e assustada olhando em meu redor, tentando procurar a mais fraca claridade para poder delinear o mais incerto traço de um qualquer objecto próximo. Simplesmente para me poder situar no espaço e avançar numa direcção. Então ele agarrou-me a mão com firmeza e encostou a boca ao meu ouvido. Senti e ouvi os seus lábios entreabrirem-se com calma preparando-se para sussurrar...

- Maria João do Carmo Estêvão Pereira! É sempre a mesma porcaria! São quase oito horas!

Acordei sobressaltada. Sentei-me na cama quase por reflexo. A minha cabeça estava a andar à roda, como se tivesse acabado de sair de um carrossel. Numa questão de segundos voltei a mim. Para que raio tinha aquela vaca louca de estar sempre a berrar? Olhei o relógio. Sete e cinquenta. Merda.
Saltei da cama em pânico. Ia chegar atrasada à aula de geografia. Não. Muito pior. Ia chegar atrasada e ainda teria de me sentar ao fundo da sala. No chão. E não num chão qualquer: um chão que muitos pés pisaram, um chão em que muitos ácaros procriaram, um chão que acolheu detritos de tudo e mais alguma coisa que lá entrara agarrado à sola de qualquer sapato, um chão que acolhe, pela certa, uma quantidade de bactérias suficientemente digna da mais alta estirpe de laboratórios de microbiologia. Enfim. Um chão que raramente vê uma vassoura ou um outro instrumento de limpeza. E era aí que eu me ia sentar.
Rapidamente afugentei todos estes pensamentos da minha cabeça quando me apercebi de algo bastante mais aterrador: eu não tomava banho há quase 72 horas. E não tinha tempo para o tomar agora, obviamente. Foi então que comecei a jogar ás escondidas com o meu desodorizante. Ele ganhou.
- Epá, onde é que te meteste, caraças?! - Gritei, já entre o desespero e a fúria.
Não obtive resposta. Oito horas em ponto. Soltei um suspiro enquanto premia, de olhos cerrados, o polegar e o indicador contra a minha testa. Vesti-me em tempo recorde, lavei os dentes, afaguei o cabelo, afoguei-me em perfume e saí de casa.
Perfeito. Esquecera-me do passe. A vida é tão bela. Sou tão feliz. Celebrei este facto efusivamente.
Já no metro e com o passe em punho corri para para apanhar o comboio que acabara de chegar. Desci o vão de escadas duas a duas e lá consegui entrar.
Oito e quinze.
A viagem que me esperava era razoavelmente longa para ficar extremamente aborrecida por ir em pé. O facto de se estar a criar um efeito de estufa devido à quantidade de gente concentrada e encavalitada num espaço tão pequeno aborreceu-me um pouco mais.
Comecei a suar.
Foi então que vi a Ana, uma amiga de longa data. Estava sentada a uns escassos metros de mim. Aproximei-me dela e reparei que ela estava distraída com os fones nos ouvidos.
- Estou a ter um dia de MERDA! - Gritei, lamentando-me.
Ela saltou e lançou um olhar assustado na minha direcção durante um microsegundo, arrancando rapidamente os fones dos ouvidos soltando uma enorme gargalhada ao mesmo tempo.

Lamentei-lhe o meu início de dia e acabámos enredadas em assuntos nada relevantes para o tema desta crónica.
Mudámos de linha de comboio e seguimos destinos diferentes. Oito e quarenta. Merda a dobrar.
Corri para apanhar o comboio que ouvira chegar ao cais. Uma realidade totalmente diferente da do comboio anterior. Se o outro era mau, confesso que não sei como descrever este. Sentia-me numa autentica sauna caracterizada por um odor impertinente. Olhei de soslaio a minha volta. Comecei a suar novamente ao reparar na proximidade física que era obrigada a manter com estranhos. Fechei os olhos e tentei abstrair-me. Se não desmaiei, estive quase.
Saí do metro na minha estação de destino e acelerei o passo até à escola.
Cheguei ás nove em ponto. Sabe deus como. Corri ao bar para comprar uma garrafa de água. Suava e arfava por todos os lados. Dei três goles sedentos e entrei na sala.
A mesa na qual me costumava sentar estava ao sol. Apesar de serem nove da manhã já estavam quase trinta graus ao sol. Dirigi-me à mesa atrás da minha, puxei a cadeira silenciosamente e sentei-me.
Olhando em volta apercebi-me de como a sala se ia enchendo. Um rapaz entrou e sentou-se na mesa ao sol à minha frente, soltou um suspiro e deitou-se sobre a mesa numa posição claramente desconfortável e notoriamente com o objectivo de evitar ao máximo o sol. Deixei de vaguear sobre insolações e seus derivados quando a professora passou á chamada.
- Maria João do Carmo Estêvão Pereira? -perguntou serpenteando o olhar pelas faces que a olhavam, expectantes.
- Estou aqui. - Disse timidamente.
Não consegui deixar de limpar uma gota de suor que me escorria pelo pescoço incomodando-me com leves cocegas.
Nove e vinte. A aula começara. Penso que misturar o ambiente quente e abafado dos dois comboios que utilizara essa manhã na deslocação à escola não seria suficiente para exempleficar o ambiente que ali se estabelecera.
O ar condicionado estava avariado. As janelas não tinham abertura e estavam espremidas naquela pequena sala mais de cinquenta pessoas. Mas o pior ainda estava para vir.
Não faço ideia de quantos graus estavam dentro daquela sala, mas apostaria em vinte, ou mais um pouco, talvez. Bebia água descontroladamente e limpava pequenas gotas de suor que iam escorrendo lentamente pelas minhas têmporas e pelo pescoço. Sentia-me zonza e fraca, não comera nada ainda naquela manhã e por isso estaria com uma fraqueza com certeza.
Nove e trinta. Lembro-me de ouvir a professora a falar de algo sobre as unidades geomorfológicas e acabei por entrar num limbo entre a lucidez o e o delírio e deixei de a ouvir. Ia desmaiar a qualquer momento, a minha visão estava a ficar turva e deixei de ouvir com clareza. Por mais estranho que possa parecer o meu olfacto acabou por interceptar um odor nesse momento.
Era um cheiro que ia para além da lógica humana. Um odor de tal maneira repugnante e fedorento que fiquei instantaneamente mal disposta e agoniada. Olhei em volta para tentar perceber de onde vinha tal infâmia. Lembrei-me de procurar na minha bolsa, dado que já acontecera esquecer-me de uma sande de queijo fresco nela durante quase um mês. Não as tivesse o diabo tecido. Mas não, nada de sande e nada que fizesse o meu universo ter sentido. Então, senti algo a tocar-me ao de leve nas pernas da minha cadeira. O pivete intensificou-se. Olhei com cautela para baixo. Dois pés calçados com nike. Um do meu lado esquerdo outro do meu lado direito, o pivete provinha desses dois focos, ascendendo na atmosfera e fundindo-se nas minhas narinas. Solucei. Virei-me para encarar a criatura dona de tal ultraje. Reparei que era de origem africana e que tinha uma camisola vermelha. Virei-me para a frente veloz-mente. Que merda. Seria isto possível? Claro que sim. E ia ficar bem pior.
Nove e quarenta. O planeta Terra decidira fazer a sua rotação só para me chatear a mim pessoalmente. O sol que há 20 minutos batia no meu colega da frente, fazia-se sentir agora na minha face e no meu ombro. Perfeito. Além de agoniada por um pivete capaz de matar uma ratazana de esgoto e além de fraca e suada pelo efeito de estufa da sala, estava agora numa torradeira solar. Brilhante. Deus ama-me.
Senti-me a sucumbir àquele pivete monstruoso e niquento que se traduzia numa intensa mistura de chulé com esgoto, catinga e merda. Sim: e merda. Cocó. Fezes. Nem na mais repugnante das casas de banho femininas alguma vez me senti assim. Este era um cheiro de meter nojo a cães e fazer fugir o mais badalhoco e mal cheiroso sem-abrigo. Mas a minha sorte, não satisfeita com isto, decidiu dar-me outro brinde.
Reparei que o moço à minha frente sussurrava algo que, incompreensivelmente, me pareciam palavrões e sons de desagrado. Foi então que ele se virou e me lançou o olhar que disse tudo. Ele pensava que era eu a dona de tamanha monstruosidade. Também não o julgo. Atendendo ao meu provável aspecto durante essa peripécia: pele com um tom esverdeado, ensopada em suor, olheiras de fraqueza e agonia e ainda cabelo todo despenteado.
Quando eu pensei que não podia piorar, o sol reflectia-me da cintura á cabeça. Nove e cinquenta. Não podia acreditar. Quarenta minutos daquilo?! Amaldiçoei tudo e todos.
"Que merda de dia." voltei a repetir para mim mesma - novamente.

1 comentário:

  1. ai k LOLÃO DO CARALHÃO!!!!! xD

    Maria João, tens de escrever mais das tuas crónicas! São geniais! As descrições e comparações!! E depois de repente umas "merdas" (a palavra mesmo) pelo meio!! xD LOOOL xD

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