quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

A última Carta

Para Shelomoh,

 Se outrora fosse, outrora teria trocado toda a minha Sabá pela tua sabedoria, pelo teu conhecimento, pela tua justiça. Se outrora fosse, outrora ter-me-ia eu perdido em contos, em histórias, em feitos teus. Outrora teria eu cobiçado a tua astúcia. 
 Outrora já não é mais, e de ti resta-me apenas um filho no ventre, o meu mukarrib, que reinará toda a Sabá quando tiver idade. Todos os meus desejos, cobiças, perdições relativamente a ti se fizeram em pó e cinzas quando realmente te conheci.  
 Seis meses me levaram a que chegassem a ti os mais belos tecidos de todas as Índias, o ouro e as pedras preciosas mais brilhantes do profundo leste das Áfricas, os mais doces perfumes de todo o Egipto, as mais variadas especiarias de todo o mundo, as madeiras mais raras e as peles dos animais mais extravagantes da China. Servos, e camelos, e elefantes carregaram todo este enorme séquito durante meses. Levei-te eu, além de tudo isto, questões e enigmas, e tudo o que tinha no meu coração. 
 Respondeste a todas as questões, esclareceste todas as charadas que te coloquei, mostraste-me a grande casa que edificaras, as iguarias da tua mesa, o assentar dos teus servos, o estar dos teus criados, e as vestes deles; e os teus copeiros e as vestes deles; e a tua subida pela qual chegaras à casa do do teu Senhor.
 Eu que cri em tais palavras, até que vim, e meus olhos o viram por si, e eis que não me haviam dito a metade da grandeza da tua fama.
 Foi então que me seduzistes sem me revelar o teu harém de setecentas mulheres e trezentas concubinas, que aos olhos dos teus, tais mulheres te perverteram o coração e o teu coração deixou de ser perfeito para com o teu Senhor teu Deus, como o coração de Daud, teu pai.
 Regressei a Ma'rib desfeita, rezei ao meu Almaqah todas as noites para que me ajudasse a esquecer-te. Três vezes foram as que viajei a Axum para supervisionar as construções do novo Maharam, três meses foram de silêncio teu. Porque me escreves agora que te é conveniente e de tua necessidade? Por quem me tomas Shelomoh? Mais depressa venderia todo o meu khumus, mais depressa mataria meu malik
 Só pensas em ti próprio Shelomoh. Só queres saber de ti e das tuas propriedades. Só queres saber de ti e das tuas necessidades. Os que te rodeiam não passam de meios para obteres o que queres. Quando aí estive contaste-me que o valor de alguém é o que essa pessoa tem e possui. Pois pergunto-te agora Shelomoh, será o valor de alguém o que essa pessoa ganha ou o que dá? O valor de alguém é o que ela faz, e não o que ela tem, e não se pode ver com o olhar daqui, mas com o céu no olhar. 
 Qual será o pássaro com mais valor? O que está lá no alto da imponente árvore ou o que está aqui pousado na raiz? Em que é que diferem um do outro? Como vês, o valor de alguém não é a riqueza que tem... não se pode ver com o olhar daqui, mas com o céu no olhar. 
                                        Bilqis                    

1 comentário:

  1. Olá.
    Antes de mais acho que devo agradecer por teres feito following ao meu blog. Em todo o caso, é uma lisonja. Provavelmente o meu agradecimento é que já peca por tardio. (shame on me...)
    De qualquer forma, confesso que costumo visitar o teu espaço com alguma frequência, e aproveito para lamentar o facto de não haver novos posts há algum tempo. Para todos os efeitos, assim tenho sempre uma desculpa para ficar a ouvir Blue Foundation. :)
    Em parte motivado pelas minhas últimas ideias, confesso que gostava de poder entrar em contacto contigo sem ser através de algo com exposição pública, como um blog ou um fórum. Se não encontrares inconveniente nisso.
    Espero que não me leves a mal esta súbita indiscrição. Boa semana e, por favor, posts novos. :P
    Até breve

    Diogo

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